Sabe, é que a chuva é muito fina e o trovão é muito alto. A noite já é clara o suficiente e os relâmpagos clareiam a imensidão de umidade e calefação que a cidade se encontra.
Eu não tenho a ambição de me envolver na noite, mas a noite me envolve mesmo assim. O silêncio aquebrantante e o orvalho precoce no meio de uma madrugada comum. Respiro fundo com o pulmão que me resta e torço para me sentir renovada como antes, ao assistir o nascer do sol da janela. O que vem é mormaço e muriçoca.
As coisas já não são como antes e a paisagem da janela se tornou vertical. A proximidade das casas me impede de falar sozinha e cantar baixo o que outra alma musicou no meu lugar. Hoje além do óculos enorme, enxergo por grades. Cuido de uma planta.
A sensação é de vazio, como o dia que não teve vento, mas o trovão já ruía antes mesmo da choradeira, antes até de anuviar. Essa chuva de sertão que encanta, floresce o cacto, alimenta o boi e brota a macaxeira é a mesma que apaga o giz do chão no asfalto fresco.
Urbano é tudo cinza e luminoso, mas daqui mesmo eu vejo estrelas entre os prédios. Daqui eu sei, que se eu saísse apagando cada poste, eu acenderia mais algumas nas vistas míopes, astigmatas e hipermetrópicas da metrópole que por ventura é litorânea.
É como se o clima amistoso e a atmosfera de impotência tomassem de conta do meu cansado corpo resistente ao tempo. Uma sorte não ter alergias.
Pela nostalgia tão minha, sentir o espirro da chuva que dá no forro de telha seria um alívio paras as ardências em que o pensamento queimava. Balançar a rede e não perder um segundo das maravilhas da noite.
Já estive triste, hoje eu regozijo uma brutal sensação de dormência, que mesmo me doendo a a lembrança de uma inocência perdida, me permite erguer a cabeça aqui num buraco escondido na cidade e sentir o vento batendo o chão que eu piso há tanto tempo.
Resta a fome e o susto do clarão, o estrondo da natureza em conflito com o incansável sentimento de cansaço e o martírio de ser sempre um dia como qualquer outro.
E não é. Por que chove.
terça-feira, janeiro 22, 2019
Estranhas entranhas.
Estranhas as relações humanas, que vem e vão sem uma explicação plausível para tal. A fluidez é a característica mais marcante desse arroio que ora seca, ora sangra.
Um dia a gente já se viu muito, fez questão da presença, saboreou o peso que o outro depositou sobre suas costas, desmanchando um dia ruim num sorriso, aliviando um músculo qualquer do pescoço.
A interação vem também nos nervos, faz percorrer os capilares de todos o corpo, arrepia o pelo e dá a volta de novo para fazer o coração pular mais rápido. Te acorda no meio da noite dormida e te impede o sono numa noite fria. Aquele estalo do não dito que dá pra sentir no tímpano. Podia ser que nada acontecesse, podia ter acontecido tudo. Ou tudo aconteceu, sem que percebêssemos. É como uma respiração, automática e sensível, acontece no ar invisível toda a troca vital. Afinal, nada finda. Se tudo acontece diante dos meus olhos sem que eu visse, quem me garante que não possa ter acontecido nada comparado ao que ainda pode haver. Tudo o que houve, há ainda. É possível chegar lá ao fechar os olhos e deixar os ouvidos atentos. Lembrar dessas sensações é o que nos faz persegui-las, para nunca alcançá-las, justo por que um dia eu já as senti na pele, no rosto, na dor nos pés de andar descalço, no olho trêmulo de cansaço.
E é aqui dentro desse corpo pouco investigado, mal alimentado e com carburações pulmonares que habita o sentimento de conexão, a esquisitisse de desconectar e a surpresa de nunca ter se desligado.
Eu não queria um desligamento, eu queria uma pausa no tempo. Uma dobra que seja, um sulco desses cinematográficos futuristas para pensar em todas as direções que fluidez me levaria. E só aí me dei conta que eu teria um vida inteira nesse corpo para me arrepender o quanto precisasse, sem nunca me livrar da maldita úlcera da insegurança.
Corroída pelo medo de perder tempo eu fui embora na onda, me desfiz em areia pretendendo alcançar a montanha até entender que o tempo só existe agora. Sobraram os dentes amarelados e a nostalgia no fundo do olho de quem ainda se pega pensando no "E se" enquanto vive afundada na concretude do conforto.
O passado nunca morreu em mim.
Um dia a gente já se viu muito, fez questão da presença, saboreou o peso que o outro depositou sobre suas costas, desmanchando um dia ruim num sorriso, aliviando um músculo qualquer do pescoço.
A interação vem também nos nervos, faz percorrer os capilares de todos o corpo, arrepia o pelo e dá a volta de novo para fazer o coração pular mais rápido. Te acorda no meio da noite dormida e te impede o sono numa noite fria. Aquele estalo do não dito que dá pra sentir no tímpano. Podia ser que nada acontecesse, podia ter acontecido tudo. Ou tudo aconteceu, sem que percebêssemos. É como uma respiração, automática e sensível, acontece no ar invisível toda a troca vital. Afinal, nada finda. Se tudo acontece diante dos meus olhos sem que eu visse, quem me garante que não possa ter acontecido nada comparado ao que ainda pode haver. Tudo o que houve, há ainda. É possível chegar lá ao fechar os olhos e deixar os ouvidos atentos. Lembrar dessas sensações é o que nos faz persegui-las, para nunca alcançá-las, justo por que um dia eu já as senti na pele, no rosto, na dor nos pés de andar descalço, no olho trêmulo de cansaço.
E é aqui dentro desse corpo pouco investigado, mal alimentado e com carburações pulmonares que habita o sentimento de conexão, a esquisitisse de desconectar e a surpresa de nunca ter se desligado.
Eu não queria um desligamento, eu queria uma pausa no tempo. Uma dobra que seja, um sulco desses cinematográficos futuristas para pensar em todas as direções que fluidez me levaria. E só aí me dei conta que eu teria um vida inteira nesse corpo para me arrepender o quanto precisasse, sem nunca me livrar da maldita úlcera da insegurança.
Corroída pelo medo de perder tempo eu fui embora na onda, me desfiz em areia pretendendo alcançar a montanha até entender que o tempo só existe agora. Sobraram os dentes amarelados e a nostalgia no fundo do olho de quem ainda se pega pensando no "E se" enquanto vive afundada na concretude do conforto.
O passado nunca morreu em mim.
segunda-feira, maio 01, 2017
Universo de mim
Eu gostaria demais de estar errada, de achar que ainda é ou
há tempo. Seria bom demais poder acordar enxergando beleza no dia ou ir dormir
com sensação de dever cumprido, ou só sono mesmo, já era de bom tamanho.
Sempre que eu saio na rua, eu começo a imaginar que todas
aquelas pessoas passando com suas famílias não estão sentindo um terço do vazio
que eu percebo em mim. Acho que sentir não é bem a palavra. Os rostos, os
sorrisos, as famílias e casais unidos, o poder de compra e o carro estacionado.
A vida em sua estabilidade.
Não sei se eu queria muito. Na verdade, eu não sei o que é
que eu quero da minha vida além de paz. Já não sei se estar em outro país me
faria feliz, por exemplo. E se eu começo a pensar que sim, estaria, quem é que
disse que eu tenho espaço pra mais uma frustração dentro de mim? Eu já tirei o
espaço que diz respeito a mim pra realocar frustrações, preocupações e
problemas. Quero passar longe de qualquer espelho.
Pode ser que eu me cobre pra caralho e aparentemente eu sou
a única que me cobro tanto e realmente ligo pra tudo que tá acontecendo. Será
mesmo que é tudo só uma questão de tempo? Tempo, essa coisa deformada que se
estende no universo INTEIRO e sem ressalva alguma, encaminha a todos nós para
um único fim, astros e explosões, pessoas e sonhos?
Essa história de tempo até me confortaria se eu tivesse a
dádiva da paciência de esperar por ele. Todo dia o monstro que é catalisar esse
fim me assombra. É me deitar com o monstro, acordar com o cheiro dele, viver em
sua companhia, me alimentar sob seu olhar. Cada dia que passa, ele me seduz
mais e mostra menos do mundo. Toda alternativa que eu vejo é a dele, todo
problema tem solução nele e cada vez que eu respiro fundo tentando me acalmar,
ele preenche o silêncio da minha mente com seus planos e vidências.
Sou o tipo da pessoa que não sabe viver sem ter ao menos uma
ideia de como o futuro vai ser. Não sei pisar em nuvens nem sei sonhar com “algo
mais”. O mundo me parece bem maior e escuro aqui dentro do que lá fora, mas do
que adianta sair e confrontar o que eu não sou e provavelmente nunca me torne?
A incapacidade de racionalizar meu momento de entrega aos sentimentos me corta
como uma faca salgada e suja. Infecciona, putrefa, dói e sangra. Porque é tão
difícil exorcizar e seguir em frente? O universo dentro de mim implora por uma
saída, que não seja fatal.
quarta-feira, janeiro 25, 2017
Tripas.
Ok. Preciso admitir que preciso conversar comigo mesma sobre
isso. Muitas redundâncias, eu sei. Eu não estou preocupada com a escrita
correta das coisas, eu só quero me aliviar um pouco do meu desespero, por que é
basicamente isso que eu estou sentindo me impulsionar a escrever sobre mim,
como se já não bastasse eu participar da minha própria cabeça. Não é auto ajuda
pra você, sou eu dando um tapinha nas minhas costas pra todo mundo ver.
Eu também precisaria usar clichês pra descrever a minha
situação, como “beco sem saída” ou “não ter pra onde correr”, mas a verdade é
que não tem motivos pra correr. Apegue-se em Deus, vocês provavelmente me
responderiam. Citariam salmos, combinariam um dia pra eu ir no culto, no grupo
ou na missa... Mas eu não vou, eu nunca vou e provavelmente nem irei, por que
eu já fui. Por parte de mãe, conheci o espiritismo, por parte de pai, conheci o
catolicismo. Então, digamos que eu convivo com Deus e o Diabo, intensamente, um
sobre o outro.
A minha história sempre foi a história dos outros, na
verdade. Eu não fiz grandes coisas da vida, eu não tenho nenhuma habilidade
especial, não sei tocar ou cantar, desenhar, enfim... Eu não posso simplesmente
“largar tudo” e fazer o que “toca meu coração” por que meu coração é justamente
o que é tocado pela vida das outras pessoas. Não sei se deu pra entender: eu
sou a trouxa que dá passagem pra absolutamente qualquer coisa se manifestar na
minha vida e lido com isso geralmente como as vacas hindus amplamente citadas
na literatura. A paciência de Jó, como queiram.
Paralelo a isso, além de pautar toda e qualquer coisa dentro
da minha vida em COMO FULANO DE TAL VAI SE SENTIR/REAGIR, eu sempre gostei
muito de estudar, de ler. Eu leio rótulos, leio revistas, leio livros, amo
estudar, amo entender, amo descobrir. E talvez, isso seja a única coisa que eu
sou, uma eterna aprendiz. Eu achava que eu ia ganhar o mundo assim. Eu sonhava
com ser conhecida pelo meu conhecimento.
Passava minhas noites em claro ouvindo música, entupia a
memória do computador de coisas. Li livros e livros na telinha do meu mp4,
fruto da venda dos meus livros do ano anterior da escola. Assistia filmes de
terror com medo e filmes cult sem entender uma grama, depois lia review na
internet pra confirmar que eu tinha entendido certo. Organizava tudo direitinho
e juntava dinheiro pra comprar até o meu shampoo. Doía na alma gastar. Filha de
professor. Filha de administradora.
Aprendi coisas ridículas sobre cabelo, aprendi sobre os
países que eu sonhava visitar. Aprendi a gostar de tablets, aprendi a me
esconder, aprendi a negar meus gostos musicais também. Decidi que era meio
ofensivo sair com uma camisa do Metallica pra ver a família católica. Aprendi a
lidar com bebidas alcoolicas destruindo meu ambiente familiar, aprendi a me reerguer
das constantes decepções sobre o esforço que eu fazia pra acabar com isso.
Aprendi a correr e me esconder. Aprendi a não guardar mágoas e aprendi a
engolir o choro enquanto eu ouvia coisas que não era pra ouvir, mas que deveria
sim. Eu sempre tomei tudo que eu sabia como a minha responsabilidade e sonhei
em me livrar das coisas ruins.
Foi assim que eu descobri aos 16 anos, por exemplo, que
existe nos EUA um tipo de band-aid como uma cola roll-on, para proteger seus
pés daquelas sapatilhas assassinas que comem seu calcanhar. E eu também aprendi
a resolver esse vazio na minha vida, agora eu só uso havaiana.
Eu acreditava em fadas (não a tinkerbell) até menos de 2
anos atrás, então vocês podem imaginar o naipe do conhecimento que eu consumi
durante meus pesados 20 anos. Pesados porque com 13, eu já me sentia com 20.
Hoje eu tenho 20 e me sinto como se ainda tivesse os 13, só que cansada,
estafada.
Pois bem que nisso tudo, minha crença se perdeu. Talvez – só
talvez – eu tenha parado pra perceber
que eu nunca acreditei em Deus. E agora, só agora, que a minha cabeça não tá
mais aguentando o “p” de uma pena, eu tenha me dado conta de que mesmo estando “lá”
pra todo mundo do mundo, eu só acreditei no que EU podia fazer. Eu.
É um esforço enorme escrever isso pra mim mesma. Enorme. Meu
maior medo é ser ingrata ou egoísta. Eu tenho pesadelos sobre isso, muitos, mas
chegou a hora de admitir que eu PRECISO de uma boa dose de egoísmo. De me encarar
na frente do espelho, bater no peito dessa vez forçosamente orgulhosa e me
fazer acreditar que eu fiz por que podia, que eu fiz por que eu sabia do que
era capaz.
Eu já confiei muito em Deus, mas são as minhas mãos que eu
vejo, são meus pés que doem, é meu corpo que pesa. E agora, SÓ AGORA que está
tudo desmoronando e eu não aguento mais, é que eu entendi que tá pesado por que
não estava em Deus, estava comigo, dentro de mim.
A minha vida no momento encontra-se num ponto absurdo pra
mim. Igual de muita gente, melhor que da maioria e definitivamente incomparável
com a vida de quem tem um puto no bolso, de quem nem sabe quanto vem a conta da
luz que deixa acesa, enquanto come o que tem na mesa (que por acaso também não
sabe nada sobre, só brota). A crise tá comendo meu sistema anti bombas.
Nunca fui uma pessoa fácil, eu admito. Eu sou grossa, sadicamente
irônica, eu reclamo DEMAIS e eu não ligo muito pra manter algumas relações em
que eu simplesmente assumo que a pessoa TEM QUE SABER QUE EU A AMO e foda-se.
Também falo bastante palavrão.
Eu dei um trabalho
quando era pré-adolescente, por que era independente demais. Em compensação,
fui uma adolescente exemplar, nunca dava trabalho, por que era independente
demais. Agora, eu sou uma jovem adulta. Eu esperei tanto por isso... Ah, como
eu esperei! Eu ficava horas na janela sonhando que eu ia ser maior de idade,
que eu ia saber de tudo que eu estava fazendo, que eu ia ser a pessoa mais bem
resolvida.
Sabe o que eu planejei pra essa época da minha vida? Eu
planejei estar feliz, independente. Sonhava em morar com minha melhor amiga,
sonhava em ter um carro e estar dirigindo por ai. Não menciono a parte amorosa,
porque logo eu que achei que ia morrer sozinha, namoro há 5 anos uma pessoa
incrível e que eu admiro um pouco mais todo vez que eu leio “bom dia” no meu
celular. Eu sinceramente não consigo dizer “bom dia”. (Eu te amo.)
Eu me botava pra dormir, imaginando que no ano de 2017, aos
20 anos (o que na minha cabeça, infelizmente, é quase como ter 89 e umas 4
doenças terminais), eu ia estar completamente independente. Independente a
ponto de ajudar. Ajudar, ajudar, ajudar e ajudar. Ajudar mais, ajudar sempre,
dar uma força.
Eu estou sentada no mesmo quarto, numa poltrona inflável,
pensando o que foi que eu fiz. Se fui eu quem fiz isso mesmo. Mas não adianta,
eu vou me culpar de toda forma. Eu tenho que me culpar, porque eu não acredito
em Deus.
Faço psicologia, por incrível que pareça. O meu primeiro
semestre foi o último de 2016. Lá eu conheci somente pessoas maravilhosas,
algumas que eu já amo de verdade, outras que eu aprecio a companhia, exceto por
uma professora que eu nem chego a odiar, eu só não aguentava assistir aula.
Mas, se eu aguentasse uma hora, eu ia assistir uma outra aula que em muitos
aspectos mudou meu jeito de ver a vida (e inclusive arriscando os próximos 6
meses pra poder repetir a dose, fazer o que, eu não possuo cerimônias que me
proíbam de me viciar em nada).
Lá eu descobri que as pessoas sonham alto. Que é normal você
desejar as coisas intensamente. Eu andei tão preocupada pensando em como
arranjar o maldito dinheiro pra ir na aula do dia seguinte, passei tanto tempo
cozinhando meus cupcakes azuis pra vender e poder ter o maldito dinheiro pra ir
na aula todo dia, que eu esqueci de sonhar, olha que clichê bem encaixado! Eu
só conseguia pensar “Mas que merda, será possível que é TODO MUNDO FELIZ? Eu tô
preferindo acreditar que só tem bobo alegre.”
Um dia, numa simples conversa, me perguntaram qual era meu
maior sonho. Eu tristemente só consegui pensar em dinheiro. Porque no final de
semana, eu estava com vontade de relaxar. Depois disso, eu comecei a comprar
qualquer coisa que me desse vontade, MAS... Obviamente agora, eu estou
lembrando de cada centavo que gastei, tal qual um Tio Patinhas falido, pensando
que eu poderia ter comprado os ovos que iriam me faltar hoje, o arroz que acaba
essa semana, ou o garrafão de água, que acabou semana passada. A crise tá
acabando comigo.
Eu escrevi isso tudo com algumas intenções... Eu esperava
sonhar de novo, esperava acreditar de novo, mas eu não consigo.
Será que eu sou uma má pessoa?
terça-feira, junho 28, 2016
Sonhei com o vento
Toda vez que o vento dá, eu me pego desejando a tua presença. Toda vez que o vento grita pela janela dos apartamentos ao redor, eu acabo sentindo um leve carinho teu, involuntário. O vento dá, frio e devagar, na minha pele quente e mãos trêmulas. Frio tu és, devagar, estamos.
Essa noite eu sonhei com o que esperava de ti. Sonhei com a imagem que eu vi refletida em meu espelho. Tenho medo da tua conclusão, das tuas certezas. Sonhei com tuas mãos livres das algemas, como uma vez aconteceu. Sonhei porque não quero lembrar e sonhei pra não esquecer.
O vento deu e eu senti. Não sei se sozinha, não sei se desejou projetar-se também. Sonhei que sim, mas o vento deu e varreu o chão. O meu chão descobriu um NÃO gravado. O que é real, afinal? Em que acreditar?
Desejos proferidos, beijos professados, Os pés, dormentes, os sorrisos formigando junto aos olhos inflamados. Esqueço o resto quando o vento dá e teu olhar surge no éter da mente. Não me deixe lembrar, mas não me faça esquecer.
Amarras e correntes que criastes o impedem de ver. meu deus, que carinho só machuca se assim achar que deve ser a sua função. Ou talvez tenha posto tais amarras a fim de me afastar mesmo, devo considerar. Só não me apague dos teus olhos... Pois talvez eu nunca consiga tirar-te dos meus.
Posso te deixar ir. Eu sei que posso. Só não sei se devo e preciso... Mas não sem antes obter minhas respostas.
Essa noite eu sonhei com o que esperava de ti. Sonhei com a imagem que eu vi refletida em meu espelho. Tenho medo da tua conclusão, das tuas certezas. Sonhei com tuas mãos livres das algemas, como uma vez aconteceu. Sonhei porque não quero lembrar e sonhei pra não esquecer.
O vento deu e eu senti. Não sei se sozinha, não sei se desejou projetar-se também. Sonhei que sim, mas o vento deu e varreu o chão. O meu chão descobriu um NÃO gravado. O que é real, afinal? Em que acreditar?
Desejos proferidos, beijos professados, Os pés, dormentes, os sorrisos formigando junto aos olhos inflamados. Esqueço o resto quando o vento dá e teu olhar surge no éter da mente. Não me deixe lembrar, mas não me faça esquecer.
Amarras e correntes que criastes o impedem de ver. meu deus, que carinho só machuca se assim achar que deve ser a sua função. Ou talvez tenha posto tais amarras a fim de me afastar mesmo, devo considerar. Só não me apague dos teus olhos... Pois talvez eu nunca consiga tirar-te dos meus.
Posso te deixar ir. Eu sei que posso. Só não sei se devo e preciso... Mas não sem antes obter minhas respostas.
segunda-feira, novembro 16, 2015
Não adianta
Não era pra eu estar aqui. Não era mesmo. Eu não sei expressar o tamanho do não que esta frase deveria ter para chegar perto do quanto eu não deveria estar aqui. Mas eu estou infelizmente por culpa minha.
Eu vejo as pessoas entrando e saindo dessa sala burocrática e eu diria até leviana. Eu fico observando aqui do alto do meu banco entre as plantas, a porta de entrada do circo dos horrores que é este lugar. É uma atuação para parecer tranquilo, mas não é e nunca vai ser. Eu escuto os gritos de horror que saem ali de dentro. Tanto sangue... E para uma pessoa como eu estar fazendo essa análise emotiva, vocês podem imaginar a quantidade de jeitos que um ser humano pode entrar e sair em uma maca.
Uma hora aqui e você experimenta as mais diversas sensações, de solidariedade até a completa indiferença das pessoas. Posso me considerar um transeunte nas duas coisas. Ser solidário é considerado uma característica de uma pessoa boa, o que eu não me considero, mas é assim que definem. Acho que uns nascem com isso e outros não. Eu sou egoísta e isso é um fato concreto, reflete bem o motivo pelo qual me tornei uma pessoa solidária E indiferente.
Complicado explicar para as pessoas que você as ajuda porque quer satisfação pessoal. As pessoas aceitam isso de maneira raivosa, como se falar a verdade fosse algo ultrajante. Nós sabemos e é isso que provoca tal ira. Mas não é por isso que eu estou aqui.
Hoje estou somente acompanhando, mas bem que podia ser eu. Podia ser todos nós. Do alto aqui do meu banco entre as plantas deste hospital, tendo o rosto iluminado de vermelho contra a minha vontade pela chegada dos mais diversos tipos de ambulância, só me resta respirar pausadamente. Respirar e respirar, aguardar e aguardar... Não me deixar abater com as efemérides que passam ali. O cheiro de éter só deixa mais claro o que é fatal: Não adianta.
É como consertar a barra de uma calça gasta no seu dia a dia. Ela vai rasgar de novo e de novo, várias vezes até você se convencer que você deve deixá-la ir. Somos nós e talvez sim, talvez a realidade seja niilista demais.
As pessoas entram e sem o tempo todo num ritmo frenético. Pessoas entram apressadas e saem chorando dores. Elas olham para as pessoas esperando com o rosto encharcado, tentando encontrar conforto. Nós olhamos de volta com um semblante de compaixão, uma cara falsa de tristeza, a fim de fazer aquela pessoa se sentir confortável mas é tudo uma grande mentira.
Nós na verdade não sentimos nada. Nós não deveríamos estar ali, nós só queremos nossos cigarros acesos e a fumaça no pulmão. Essa pessoa não irá sentir-se confortável com um semblante muito menos com palavras. Ela se satisfaz com o corpo que não possui mais. Com o calor do corpo que acabara de perder. Não adianta.
Eu vejo as pessoas entrando e saindo dessa sala burocrática e eu diria até leviana. Eu fico observando aqui do alto do meu banco entre as plantas, a porta de entrada do circo dos horrores que é este lugar. É uma atuação para parecer tranquilo, mas não é e nunca vai ser. Eu escuto os gritos de horror que saem ali de dentro. Tanto sangue... E para uma pessoa como eu estar fazendo essa análise emotiva, vocês podem imaginar a quantidade de jeitos que um ser humano pode entrar e sair em uma maca.
Uma hora aqui e você experimenta as mais diversas sensações, de solidariedade até a completa indiferença das pessoas. Posso me considerar um transeunte nas duas coisas. Ser solidário é considerado uma característica de uma pessoa boa, o que eu não me considero, mas é assim que definem. Acho que uns nascem com isso e outros não. Eu sou egoísta e isso é um fato concreto, reflete bem o motivo pelo qual me tornei uma pessoa solidária E indiferente.
Complicado explicar para as pessoas que você as ajuda porque quer satisfação pessoal. As pessoas aceitam isso de maneira raivosa, como se falar a verdade fosse algo ultrajante. Nós sabemos e é isso que provoca tal ira. Mas não é por isso que eu estou aqui.
Hoje estou somente acompanhando, mas bem que podia ser eu. Podia ser todos nós. Do alto aqui do meu banco entre as plantas deste hospital, tendo o rosto iluminado de vermelho contra a minha vontade pela chegada dos mais diversos tipos de ambulância, só me resta respirar pausadamente. Respirar e respirar, aguardar e aguardar... Não me deixar abater com as efemérides que passam ali. O cheiro de éter só deixa mais claro o que é fatal: Não adianta.
É como consertar a barra de uma calça gasta no seu dia a dia. Ela vai rasgar de novo e de novo, várias vezes até você se convencer que você deve deixá-la ir. Somos nós e talvez sim, talvez a realidade seja niilista demais.
As pessoas entram e sem o tempo todo num ritmo frenético. Pessoas entram apressadas e saem chorando dores. Elas olham para as pessoas esperando com o rosto encharcado, tentando encontrar conforto. Nós olhamos de volta com um semblante de compaixão, uma cara falsa de tristeza, a fim de fazer aquela pessoa se sentir confortável mas é tudo uma grande mentira.
Nós na verdade não sentimos nada. Nós não deveríamos estar ali, nós só queremos nossos cigarros acesos e a fumaça no pulmão. Essa pessoa não irá sentir-se confortável com um semblante muito menos com palavras. Ela se satisfaz com o corpo que não possui mais. Com o calor do corpo que acabara de perder. Não adianta.
Duas caras
Eu não gosto das segundas-feiras. Mas, primeiro, eu preciso explicar o motivo pelo qual amo as segundas-feiras. Acho que isso é tão contraditório que não se encaixaria numa antítese.
A semana toda temos uma rotina um tanto quanto rígida. Acordamos, escovamos os dentes, tomamos café ou não, independente da hora em que acordamos, começamos a fazer alguma coisa que só finda em cansaço e inevitavelmente, com a noite. Chega a noite, hora de recolher-se e assim vamos de terça a sexta. E na segunda, também, mas não da mesma forma. Sabemos disso. Segunda te deixa irritado pelo fato de ser o início.
Sexta-feira a noite, já estamos condicionados a estampar o sorriso no rosto e bradar: "TENHO DOIS DIAS PARA APROVEITAR!" ou "TENHO ALGUM TEMPO LIVRE PARA DESCANSAR!" e assim vamos na letargia ou alegria dos nossos fins de semana, transformando assim a rotina da semana monótona, cansativa, impregnante e indesejada. Salvo casos onde o indivíduo realmente é feliz todo dia com o que faz a ponto de ignorar o que pode fazer mal e isso é bem, bem raro.
Segunda, talvez, seja o único dia real. O dia que destrói a alegoria do fim de semana e cria uma ilusão de que mais uma semana acabou e mais uma semana começou. Como um rebanho de vacas representando os dias, enfileiradas no nosso calendário mental. Para alguns, isso pode representar uma coisa extremamente chata; uma vaca gorda, mugindo a cada minuto mais alto em seus ouvidos cansados. Para outras, no entanto, uma vaca bonita, daquelas vendidas a preços altos nos programas de T. Soa como um alívio do que a incerteza dos fins de semana pode trazer, um dia em que você espera ser surpreendido até o momento em que você levanta a cabeça do travesseiro e já estamos numa terça pela manhã. Surpresa esta que você não sabe bem o que é, mas esperou o fim de semana ansiosamente por ela.
É o início de um domingo onde as pessoas estão realmente hipnotizadas, onde não se vê ninguém na cidade após as 20 horas, mas mesmo assim está tudo aberto. Como não amar esse antagonismo? Como não odiar esse clima de eterno e monótono domingo, onde a natureza está de má vontade e as pessoas também?
Um dia ímpar. É aquele dia que amanhece ensolarado, está completamente lotado de coisas para fazer, mas ao cair da noite, a cidade te abraça com um feriado de ruas vazias, onde você pode andar no meio da rua esperando por aquela chuva fininha cair e cada gotinha fazer esmorecer um pedacinho de cansaço no seu corpo. No diminutivo mesmo, porque isso acontece de forma descompassada e gentil.
Eu amo as segundas-feiras justo porque eu odeio as segundas-feiras. Porque é um dia normal, e eu sou uma pessoa normal, que sente a cruz da rotina e atmosfera do pesar de uma semana árdua começando. E eu amo poder sentir tudo isso, amo poder ver que é bonito ter uma percepção.
Os outros dias não são descartáveis, de maneira alguma. Cada um de nós tem um dia favorito, cada um de nós tem um tipo de sinestesia quanto aos dias da semana. Você pode gostar de um sábado ensolarado, eu posso amar uma quarta chuvosa. Você pode achar que terças-feiras são ótimas para escrever poemas, mas eu posso achar um belo dia para entrar numa depressão.
E é por isso que eu amo segundas-feiras. Faz com que eu me sinta, no mínimo, viva e com a capacidade de sentir, nem que seja algo que eu expresse coçando a testa e bufando a cada passo apressado na rua, sentindo o peso da mochila nas costas. E é por isso que eu odeio as segundas feiras, porque caminhar no meio da pista vazia esperando uma garoa que não cai, pra me mostrar o cansaço, me fazer sentir essa nostalgia tremenda do que o fim de semana podia ter sido e não foi... De que a semana começou, e o tempo só conta o futuro.
A semana toda temos uma rotina um tanto quanto rígida. Acordamos, escovamos os dentes, tomamos café ou não, independente da hora em que acordamos, começamos a fazer alguma coisa que só finda em cansaço e inevitavelmente, com a noite. Chega a noite, hora de recolher-se e assim vamos de terça a sexta. E na segunda, também, mas não da mesma forma. Sabemos disso. Segunda te deixa irritado pelo fato de ser o início.
Sexta-feira a noite, já estamos condicionados a estampar o sorriso no rosto e bradar: "TENHO DOIS DIAS PARA APROVEITAR!" ou "TENHO ALGUM TEMPO LIVRE PARA DESCANSAR!" e assim vamos na letargia ou alegria dos nossos fins de semana, transformando assim a rotina da semana monótona, cansativa, impregnante e indesejada. Salvo casos onde o indivíduo realmente é feliz todo dia com o que faz a ponto de ignorar o que pode fazer mal e isso é bem, bem raro.
Segunda, talvez, seja o único dia real. O dia que destrói a alegoria do fim de semana e cria uma ilusão de que mais uma semana acabou e mais uma semana começou. Como um rebanho de vacas representando os dias, enfileiradas no nosso calendário mental. Para alguns, isso pode representar uma coisa extremamente chata; uma vaca gorda, mugindo a cada minuto mais alto em seus ouvidos cansados. Para outras, no entanto, uma vaca bonita, daquelas vendidas a preços altos nos programas de T. Soa como um alívio do que a incerteza dos fins de semana pode trazer, um dia em que você espera ser surpreendido até o momento em que você levanta a cabeça do travesseiro e já estamos numa terça pela manhã. Surpresa esta que você não sabe bem o que é, mas esperou o fim de semana ansiosamente por ela.
É o início de um domingo onde as pessoas estão realmente hipnotizadas, onde não se vê ninguém na cidade após as 20 horas, mas mesmo assim está tudo aberto. Como não amar esse antagonismo? Como não odiar esse clima de eterno e monótono domingo, onde a natureza está de má vontade e as pessoas também?
Um dia ímpar. É aquele dia que amanhece ensolarado, está completamente lotado de coisas para fazer, mas ao cair da noite, a cidade te abraça com um feriado de ruas vazias, onde você pode andar no meio da rua esperando por aquela chuva fininha cair e cada gotinha fazer esmorecer um pedacinho de cansaço no seu corpo. No diminutivo mesmo, porque isso acontece de forma descompassada e gentil.
Eu amo as segundas-feiras justo porque eu odeio as segundas-feiras. Porque é um dia normal, e eu sou uma pessoa normal, que sente a cruz da rotina e atmosfera do pesar de uma semana árdua começando. E eu amo poder sentir tudo isso, amo poder ver que é bonito ter uma percepção.
Os outros dias não são descartáveis, de maneira alguma. Cada um de nós tem um dia favorito, cada um de nós tem um tipo de sinestesia quanto aos dias da semana. Você pode gostar de um sábado ensolarado, eu posso amar uma quarta chuvosa. Você pode achar que terças-feiras são ótimas para escrever poemas, mas eu posso achar um belo dia para entrar numa depressão.
E é por isso que eu amo segundas-feiras. Faz com que eu me sinta, no mínimo, viva e com a capacidade de sentir, nem que seja algo que eu expresse coçando a testa e bufando a cada passo apressado na rua, sentindo o peso da mochila nas costas. E é por isso que eu odeio as segundas feiras, porque caminhar no meio da pista vazia esperando uma garoa que não cai, pra me mostrar o cansaço, me fazer sentir essa nostalgia tremenda do que o fim de semana podia ter sido e não foi... De que a semana começou, e o tempo só conta o futuro.
quinta-feira, outubro 30, 2014
Eu e ela.
Pedi a ela que repousasse na grama. Eu já não aguentava mais ter que desviar o meu olhar quando o dela encontrasse o meu. De qualquer forma, não foi por isso que eu fiz este pedido a ela. Já era tarde e ela realmente precisava dormir pelo menos por algumas horas. Eu bem sei como ela gosta do cheiro das plantas e do conforto de uma noite estrelada.
Como estávamos a sós, deixei ela dormindo e fui andando em direção ao lago. Sentei no chão frio de madeira, úmido da água que corre embaixo dessa ponte simples. Ao meu redor, toda a vegetação exala seu cheiro forte de orvalho, recém condensado nas pétalas e nas folhas. Os galho estalam as medidas que os pássaros voam e piam baixinho no meio da madrugada, assim como os grilos trilando por entre a grama. De repente as nuvens param de obstruir a lua e sua luz faz com que tudo ao meu redor seja prateado. As estrelas cintilam cada vez mais brilhantes, o vento cada vez mais aconchegante.
Acendi um cigarro, pus o casaco e fiquei pensando o porque daquela bagunça, se tudo não podia ser tão simples como aquela noite comum, isolado da cidade. Eu estava há duas horas de distância dos sinais de telefone, dos carros, da gritaria, da confusão, e ela estava lá comigo. Bem ali, deitada, dormindo de uma forma que emanava alívio. Foi realmente uma semana difícil para todos nós e eu resolvi que a traria aqui para relaxar, era seu lugar predileto. Ela não gostava que eu fumasse.
Pode ter sido bem egoísta da minha parte, mas eu fiquei muito feliz por ela ter me pedido ajuda, por ela ter me entregado tudo que era seu de mais antigo e desconfortável para que eu cuidasse para ela. E cuidasse dela. E foi isso que eu fiz. A ouvi, a consolei, a fiz rir e ela agradeceu cada uma dessas coisas.
A vida nos proporciona esses prazeres estranhos. O fato de ela precisar de mim para alguma coisa me fez sentir importante, me crescer ter uma ponta de esperança sobre nós. Mas não, não posso ser egoísta a esse ponto... Somos tão parecidos, tudo ficaria diferente. No fim da manhã que logo ia raiar, voltaríamos as nossas vidas e eu não poderia mesmo seguir com aquilo, apesar de querer muito.
Me perdi nos pensamentos. A pus pra dormir com a intenção de ter algo a falar sobre as estrelas, preencher o vazio de uma conversa quando palavras já não eram mais suficientes. Eu fiz isso por ela. Era essa a minha intenção, apenas... E eu sei que daqui pra frente, esse momento vai ser o que antecede toda a nossa vida daqui pra frente. Como um relógio marcando o fim dos tempos.
- Eu realmente esperei que você fosse me falar alguma coisa sobre as estrelas e toda essa porcaria de universo que só me maltrata.
- Eu ia, mas você acabou dormindo.
Não percebi que ela tinha chegado até ali. Quantas horas se passaram? Os passos dela são tão delicados que... Escutei um barulho de isqueiro e uma fumaça quente por entre todo aquele ar úmido e pesado.
- Mas você não fuma...
Ela ignorou por um momento para soltar a fumaça. Pôs os pés na água, olhou pro céu, bateu um pouco das cinzas na madeira e disse:
- Os momentos que antecedem certas coisas são mais importantes do que está por vir. Escuta teu silêncio.
Como estávamos a sós, deixei ela dormindo e fui andando em direção ao lago. Sentei no chão frio de madeira, úmido da água que corre embaixo dessa ponte simples. Ao meu redor, toda a vegetação exala seu cheiro forte de orvalho, recém condensado nas pétalas e nas folhas. Os galho estalam as medidas que os pássaros voam e piam baixinho no meio da madrugada, assim como os grilos trilando por entre a grama. De repente as nuvens param de obstruir a lua e sua luz faz com que tudo ao meu redor seja prateado. As estrelas cintilam cada vez mais brilhantes, o vento cada vez mais aconchegante.
Acendi um cigarro, pus o casaco e fiquei pensando o porque daquela bagunça, se tudo não podia ser tão simples como aquela noite comum, isolado da cidade. Eu estava há duas horas de distância dos sinais de telefone, dos carros, da gritaria, da confusão, e ela estava lá comigo. Bem ali, deitada, dormindo de uma forma que emanava alívio. Foi realmente uma semana difícil para todos nós e eu resolvi que a traria aqui para relaxar, era seu lugar predileto. Ela não gostava que eu fumasse.
Pode ter sido bem egoísta da minha parte, mas eu fiquei muito feliz por ela ter me pedido ajuda, por ela ter me entregado tudo que era seu de mais antigo e desconfortável para que eu cuidasse para ela. E cuidasse dela. E foi isso que eu fiz. A ouvi, a consolei, a fiz rir e ela agradeceu cada uma dessas coisas.
A vida nos proporciona esses prazeres estranhos. O fato de ela precisar de mim para alguma coisa me fez sentir importante, me crescer ter uma ponta de esperança sobre nós. Mas não, não posso ser egoísta a esse ponto... Somos tão parecidos, tudo ficaria diferente. No fim da manhã que logo ia raiar, voltaríamos as nossas vidas e eu não poderia mesmo seguir com aquilo, apesar de querer muito.
Me perdi nos pensamentos. A pus pra dormir com a intenção de ter algo a falar sobre as estrelas, preencher o vazio de uma conversa quando palavras já não eram mais suficientes. Eu fiz isso por ela. Era essa a minha intenção, apenas... E eu sei que daqui pra frente, esse momento vai ser o que antecede toda a nossa vida daqui pra frente. Como um relógio marcando o fim dos tempos.
- Eu realmente esperei que você fosse me falar alguma coisa sobre as estrelas e toda essa porcaria de universo que só me maltrata.
- Eu ia, mas você acabou dormindo.
Não percebi que ela tinha chegado até ali. Quantas horas se passaram? Os passos dela são tão delicados que... Escutei um barulho de isqueiro e uma fumaça quente por entre todo aquele ar úmido e pesado.
- Mas você não fuma...
Ela ignorou por um momento para soltar a fumaça. Pôs os pés na água, olhou pro céu, bateu um pouco das cinzas na madeira e disse:
- Os momentos que antecedem certas coisas são mais importantes do que está por vir. Escuta teu silêncio.
segunda-feira, junho 30, 2014
O Outro
- Fala, ou eu atiro.
- Isso. Esse som...
- O que?
- Esse som, faz de novo.
- Isso é uma arma, cara.
- Volta aqui, põe ela aqui de volta!
O silêncio que se seguiu foi desconcertante. Mal sabia o homem que o outro queria mesmo era aquele alívio. Ele desejava aquele cano frio pressionado contra sua cabeça vazia.
Ele desejava isso.
Não sabia muito bem porque. O sangue correu quente nas veias do homem, enquanto que na deste outro, suado, ferido e amarrado, corria gelado de um jeito... reconfortante.
Ele queria muito.
- Não vou fazer isso. Olha, eu não quero te machucar, eu só quero saber o que você tem pra me contar. E você tem muitas coisas pra me contar.
- Põe a arma de volta na minha cabeça, ou eu não falo nada.
O homem ficou parado pensando o porquê desse interesse. Há dois minutos, o outro era calmo e leve como um floco de neve caindo do céu. E ele sabia que o homem tinha algo a dizer sobre aquele transtorno.
- Olha, cara, se você não falar, eu vou...
- Vai oquê? Faz logo o que você tem de fazer. Vamos, coloca essa arma de volta na minha cabeça! Você ainda quer suas informações?
Surpreendido com aquele sorriso lunático no rosto do outro, o homem por um momento pensou em se render à tentação de fazer o que o homem pedia, mas havia medo. Um medo, um único arrepio gelado na sua espinha. Seu corpo, febril de ódio e culpa por estar sentindo medo de um homem, um outro homem amarrado e fundamental para resolver seu problema, estremeceu ao olhar para a face do outro mais uma vez.
- Eu não sou um assassino.
- Mas tem o que eu quero. Você acha que é o único aqui que quer alguma coisa?
- E o que você quer?
- Sua arma na minha cabeça.
- Cara, qual é o seu problema? Eu não sou um assassino!
O outro estava entrando na mente do homem. Não deveria deixar... Ele não pode...
- Por Deus, qual é o seu problema?
- Adrenalina. Vamos, anda logo põe essa arma na minha cabeça e puxa esse gatilho. Eu sei que você quer. Eu sei o que você quer.
O que se seguiu foi uma risada.Olhos incerto, sem direção. Os olhos do homem pesaram, a vista escureceu. Ele não tinha como saber.
O outro não tinha como saber.
- Como você...
- Ah, você nunca viu uma pessoa como eu? Você nunca viu uma cabeça aberta e o barulho que faz?
O silêncio. Esse silêncio que conhecia há muito. Aquela sensação, aquele sangue quente correndo. Como orvalho no rosto. Foi rápido. As paredes agora parecem mais bonitas... Pelo menos, aos olhos do outro.
- Isso. Esse som...
- O que?
- Esse som, faz de novo.
- Isso é uma arma, cara.
- Volta aqui, põe ela aqui de volta!
O silêncio que se seguiu foi desconcertante. Mal sabia o homem que o outro queria mesmo era aquele alívio. Ele desejava aquele cano frio pressionado contra sua cabeça vazia.
Ele desejava isso.
Não sabia muito bem porque. O sangue correu quente nas veias do homem, enquanto que na deste outro, suado, ferido e amarrado, corria gelado de um jeito... reconfortante.
Ele queria muito.
- Não vou fazer isso. Olha, eu não quero te machucar, eu só quero saber o que você tem pra me contar. E você tem muitas coisas pra me contar.
- Põe a arma de volta na minha cabeça, ou eu não falo nada.
O homem ficou parado pensando o porquê desse interesse. Há dois minutos, o outro era calmo e leve como um floco de neve caindo do céu. E ele sabia que o homem tinha algo a dizer sobre aquele transtorno.
- Olha, cara, se você não falar, eu vou...
- Vai oquê? Faz logo o que você tem de fazer. Vamos, coloca essa arma de volta na minha cabeça! Você ainda quer suas informações?
Surpreendido com aquele sorriso lunático no rosto do outro, o homem por um momento pensou em se render à tentação de fazer o que o homem pedia, mas havia medo. Um medo, um único arrepio gelado na sua espinha. Seu corpo, febril de ódio e culpa por estar sentindo medo de um homem, um outro homem amarrado e fundamental para resolver seu problema, estremeceu ao olhar para a face do outro mais uma vez.
- Eu não sou um assassino.
- Mas tem o que eu quero. Você acha que é o único aqui que quer alguma coisa?
- E o que você quer?
- Sua arma na minha cabeça.
- Cara, qual é o seu problema? Eu não sou um assassino!
O outro estava entrando na mente do homem. Não deveria deixar... Ele não pode...
- Por Deus, qual é o seu problema?
- Adrenalina. Vamos, anda logo põe essa arma na minha cabeça e puxa esse gatilho. Eu sei que você quer. Eu sei o que você quer.
O que se seguiu foi uma risada.Olhos incerto, sem direção. Os olhos do homem pesaram, a vista escureceu. Ele não tinha como saber.
O outro não tinha como saber.
- Como você...
- Ah, você nunca viu uma pessoa como eu? Você nunca viu uma cabeça aberta e o barulho que faz?
O silêncio. Esse silêncio que conhecia há muito. Aquela sensação, aquele sangue quente correndo. Como orvalho no rosto. Foi rápido. As paredes agora parecem mais bonitas... Pelo menos, aos olhos do outro.
domingo, fevereiro 09, 2014
Ponto de vista
Primeiro de tudo, eu quero deixar bem claro que eu não faço a mínima ideia do que eu faço na terra. Eu gostaria muito de saber, mas ainda não sei. Tenho meus sonhos, minhas vontades, mas de repente vem uma situação que leva tudo isso embora temporariamente e o vazio fica me corroendo. Sim, o vazio corrói. O que, eu não sei, mas arde como um ácido.
Eu vivo num inconstante pensamento. Um estranho na rua parece me entender tão bem. E na verdade estou rindo com meus amigos, estou perto deles e nenhum parece me entender. Me sinto culpada, como se não fosse capaz de me abrir com eles.
Sim, eu tenho um aspecto meio turrona mesmo. Eu gosto de preto e da palidez das coisas, sempre gostei. Eu gosto de me isolar e em uma cidade como essa que eu vivo, fica praticamente impossível ter alguma individualidade. Sabe aquele cheirinho de terra molhada e de orvalho? Passarinhos cantando e tudo mais? Então, pouca gente imagina que eu goste mesmo é disso. Talvez a minha "urbanidade" toda seja só uma fuga. Ou sei lá.
Existe uma enorme possibilidade de você estar identificando-se com meus anseios. Grande mesmo. Eu sou uma garota que não gosta de pessoas, isso não é raro. Eu só... Admito isso. Juntando tudo isso, eu não sou tão triste, mas o que é triste me atrai. Odeio chorar, mas escuto músicas tristes. Às vezes eu quero morrer, às vezes eu não quero... É tudo uma questão de como vai estar o dia para mim. Se o sol vai estar presente ou não.
Acho que todo mundo é um pouco assim. Nesse momento, eu estou de fones de ouvido no banco de uma praça, pensando se realmente vale a pena voltar pra casa e ver um filme sozinha, me imaginar como aqueles personagens europeus sortudos e poéticos até no modo de andar. Eu gosto de viver uma vida registrando várias outras.
Meus olhos registram tudo que acontece. Eu faço filmes do que vejo.
Triste ou não.
Existe uma enorme possibilidade de você estar identificando-se com meus anseios. Grande mesmo. Eu sou uma garota que não gosta de pessoas, isso não é raro. Eu só... Admito isso. Juntando tudo isso, eu não sou tão triste, mas o que é triste me atrai. Odeio chorar, mas escuto músicas tristes. Às vezes eu quero morrer, às vezes eu não quero... É tudo uma questão de como vai estar o dia para mim. Se o sol vai estar presente ou não.
Acho que todo mundo é um pouco assim. Nesse momento, eu estou de fones de ouvido no banco de uma praça, pensando se realmente vale a pena voltar pra casa e ver um filme sozinha, me imaginar como aqueles personagens europeus sortudos e poéticos até no modo de andar. Eu gosto de viver uma vida registrando várias outras.
Meus olhos registram tudo que acontece. Eu faço filmes do que vejo.
Triste ou não.